SALA DA TEACHER DAIA: O que podemos aprender com os índios

"É principalmente no relacionamento com seus familiares que as crianças aprendem. É no ato de caminhar junto que o adulto ensina a criança"

Por Daiana Souza*

Um dia eu vou escrever um livro com histórias do que acontece durante uma aula on-line. Eu ainda não tenho muito material, até porque considero curto meu tempo de experiência nesse ramo. Mas é cada uma que acontece... histórias boas e outras não tão boas. Mas uma particularmente me chamou demais a atenção, e não foi comigo (felizmente). Soube de um familiar que presenciou uma briga entre duas alunas - sim, uma BRIGA! - durante uma aula on-line. Detalhe importante: era uma turma de adultos. As duas alunas em questão discordaram em meio a um debate sobre ética e moral (ironia “mode ON” aqui) e iniciaram uma discussão acalorada durante a aula virtual, com direito a troca de desaforos e palavras de baixo calão. Eu, estarrecida com o relato, imaginei a cena na videoconferência, com diversas minitelas no monitor do computador e com aquele áudio típico de péssima qualidade. Agressões são injustificáveis mas compreendo o momento e me entristeço. Os ânimos estão cada vez mais exaltados em tempos de “novo normal”.

Mais uma história para os anais das aulas online: o caso das crianças que estão sozinhas em frente ao computador/celular/tablet durante suas aulas. Aqui lembro das crianças pequenas, pois pré adolescentes já tem mais condições de estar sozinhos para lidar com a tecnologia. Mas as crianças...ah, as crianças! Pobres crianças, que dominam os jogos de celular - e encantam seus pais por essa aparente “autonomia” - mas muitas vezes não conseguem interagir com o professor quando recebem instruções do que fazer em suas atividades online. Mais do que nunca precisam da assistência de seus pais ou responsáveis, pois não são seres autônomos, que se regem sozinhos. São sim, seres heterônomos - que precisam de tutela, de direcionamento, orientação.

São estes os contextos em que supostamente o aprendizado deve ocorrer? Não parecem meios um tanto... tóxicos? Observo de um lado a violência entre os alunos, e do outro a indiferença dos adultos. Durante a aula on-line algumas pessoas se aproveitam da aparente blindagem que a internet proporciona e falam o que pensam, sem avaliar as consequências. Ou ficam indiferentes à interação entre professor e aluno, pois a câmera não pega todos os ângulos de visão do ambiente. A blindagem virtual oferece proteção aos agressivos e aos indiferentes que não precisam se expor. Depois desses relatos tristes, penso que os índios têm muito a nos ensinar sobre a importância da aprendizagem, e em como esse processo precisa da atenção dos adultos e do afeto dos demais envolvidos. E hoje é dia 19 de abril, é o dia deles: daqueles que vieram antes de nós, brasileiros.

O jeito de ensinar dos índios é encantador. As crianças indígenas, por exemplo, aprendem coisas ensinadas por seus pais, irmãos, avós e outros parentes próximos e a transmissão desse conhecimento acontece durante as atividades do dia a dia e em festas e rituais especiais. Dito isto, é principalmente no relacionamento com seus familiares que as crianças aprendem. É no ato de caminhar junto que o adulto ensina a criança, fazendo ela observar o que - e como - adulto faz as coisas: cozinhar, pescar, arrumar a casa e cuidar de sua comunidade. E tudo isso acontece através da brincadeira, em que os pequenos índios brincam de cozinhar, de pescar, caçar e pintar seus corpos. Através da convivência e da interação com os adultos a criança adquire todo o conhecimento que ela precisa para se tornar um adulto autônomo, participativo e atento a si mesmo e aos demais que o cercam em seu grupo social. E nas escolas indígenas as crianças adquirem o conhecimento necessário para a interação com outras culturas que não a indígena: aprendem a ler, escrever, fazer cálculos matemáticos e tudo o mais para “dialogar com o mundo dos não-índios”. As diversas tribos indígenas (tais como os Xavante, Ianomami, Yudja e tantos outros) entendem que o aprendizado acontece de formas diferentes, dependendo da cultura de cada tribo. Mas um fator em particular da cultura Xavante me encanta: os Xavante acreditam que o aprendizado é um processo que começa na infância e segue ao longo da vida, até a velhice. E o aprender acontece em todos os momentos do cotidiano, entre adultos e crianças.

Em tempos de tanta animosidade, estresse e indiferença, nada melhor do que as lições daqueles que nos precederam como nação brasileira, para refletirmos sobre nossas práticas como pais, educadores e membros de uma sociedade civilizada. Ainda que nos falte decência ao nos envolvermos em brigas virtuais ou nos afastarmos de nossos filhos quando eles mais precisam de nossa companhia (ao estar aprendendo coisas novas nas aulas online, por exemplo), espero que este 19 de abril nos faça parar para pensar e acolher ideias tão lindas deste povo brilhante que é o indígena.

*Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários.