SALA DA TEACHER DAIA : O complexo desafio de educar meninos

Enquanto a educação dos meninos for pensada considerando questões relacionadas à masculinidade (e não à humanidade, como deve ser), vamos presenciar mais episódios lamentáveis como o de Sorrentino e Caboclo

Por Daiana Souza*

Victor Sorrentino, Rogério Caboclo, nomes que estiveram na mídia recentemente pelos piores motivos possíveis. Provavelmente estes dois homens não se conhecem, mas tem muito em comum: protagonizaram episódios horríveis de assédio sexual. Sorrentino, que é médico, estava em uma viagem turística pelo Egito e gravou um vídeo seu conversando com uma vendedora egípcia. Nesta conversa Sorrentino fez piadas de cunho sexual e expôs a vendedora nas redes sociais. Caboclo, presidente da CBF (nada menos do que a Confederação Brasileira de Futebol), assediou uma funcionária da confederação, pressionando-a a ter um relacionamento com ele.


Até então, estas lamentáveis histórias seriam apenas mais duas no rol de vexames da classe masculina pelo Brasil afora. Afinal, crescemos ouvindo que homens são assim mesmo, que não respeitam as mulheres e que querem afirmar sua masculinidade o tempo todo. Eu nem queria falar sobre isso nesta coluna, pois este espaço é destinado a reflexões produtivas sobre a educação, que possam ajudar os leitores de alguma forma. Mas ao assistir a uma reportagem sobre o Dr. Sorrentino, uma frase dita por ele me chamou muito a atenção. Em seu segundo vídeo - dessa vez pedindo desculpas à vendedora - Sorrentino pedia perdão por ter gravado um vídeo sem a prévia autorização da moça.


Atenção para esse pedido de perdão do médico. Segundo ele, o erro foi não ter pedido antes para gravar o vídeo. Portanto, falar todas aquelas barbaridades para a vendedora (por mais que ela não entendesse) não tinha nada de mais? Não era exatamente esse o problema? A partir daí, me dei conta de que precisávamos falar mais sobre a educação dos meninos, que se tornarão os homens de nossa sociedade e que vão respeitar as mulheres - ou não. Eu prefiro acreditar que o médico achava, realmente, que o que ele fez era apenas uma brincadeira, que ele não conseguiu enxergar além do fato e de tudo que aquele movimento significava de verdade. Infelizmente, se ele não se deu conta do machismo do fato, é porque ele - e como tantos meninos - aprendeu a pensar assim em relação as mulheres.


O menino Sorrentino foi ensinado a ser superior às mulheres, a expor a mulher ao ridículo para mostrar aos amigos. Ele aprendeu que isso significa ser homem em sua sociedade. A cultura machista que nos permeia até hoje ensina que o homem não deve chorar, não pode “baixar a cabeça” e nem demonstrar sentimentos; o menino deve ter “namoradinhas” na escola, deve espionar as amiguinhas no banheiro; deve brigar e ser agressivo para não parecer mulherzinha. Se você é homem e está lendo a minha coluna, já ouviu algo parecido de seus pais ou avós? Já teve sua masculinidade questionada por fazer algo considerado “de mulher”? Ou pior, você já fez algo para se afirmar que depois se transformou em um grande arrependimento?


Educar meninos é extremamente complexo, porque acredito que estar tarefa não é apenas das mães ou pais. A educação é uma construção social que depende de muitas pessoas e instituições diferentes. Se eu fosse menino hoje em dia, ficaria muito confusa com a quantidade de mensagens diferentes que eu receberia ao longo do dia. Vejo uma leve abertura de espaço para que os novos meninos possam demonstrar sentimentos, possam ser gentis e brincar de boneca com as meninas, sem ser taxados de maricas. Por outro lado, vejo alguns pais - e mães - desses meninos na porta da escola, sendo afetuosos com as meninas e grosseiros com os meninos, mandando eles pararem de chorar. Até quando nossos meninos estarão à mercê dessa esquizofrenia de divisão de gênero? Enquanto a educação dos meninos for pensada considerando questões relacionadas à masculinidade (e não à humanidade, como deve ser), vamos presenciar mais episódios lamentáveis como o de Sorrentino e Caboclo. Quando meninos, muito provavelmente eles aprenderam que a mulher é objeto de posse do homem, à disposição para ser ridicularizada diante da audiência masculina.


*Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários.