SALA DA TEACHER DAIA: Acredite na sua falta de vontade – e mude!

Muito do que sentimos vontade de fazer neste momento de pandemia pode ser visto como reflexo do que sentimos ao nos privarmos da liberdade de ir e vir. Mas isso é bom!

Por Daiana Souza*

Parece que a pandemia fez com que todo mundo quisesse mudar alguma coisa em sua vida. Ouço relatos de pessoas que aprenderam a cozinhar, que começaram a tocar um instrumento ou colocaram em dia suas leituras atrasadas. Não acredito que tenha sido uma “vontade” surgida de forma simples, mas sim reflexo do que sentimos ao nos privarmos da liberdade de ir e vir. Certamente eu não fiquei de fora desse grupo. Ao me ver em confinamento, sem muitas escolhas a fazer, a ânsia de mexer o meu corpo bateu forte. E não era um medicamento tarja preta que me ajudaria a lidar com essa ansiedade. Era o movimento, diante de uma inércia imposta pelas circunstâncias da vida.

Pensar sobre a importância do movimento me fez resgatar autores como Nuno Cobra, educador físico/personal trainer de Ayrton Senna por mais de 10 anos, que escreveu “A Semente da Vitória” no ano de 2001. O livro é um sucesso, tem mais de 100 edições e traz lições preciosas sobre a importância dos cuidados com o corpo e a mente. Mas Nuno traz um elemento muito importante, destacando-o entre muitos autores que falam sobre educação: Nuno diz que a mudança da mente começa pelo corpo. Ao ler esta constatação, me espantei. Como eu poderia mudar o que eu pensava “não pensando”, mas agindo? Deveria esperar que meu cérebro despertasse para a necessidade de me movimentar e deixar de ser sedentária e com sobrepeso? Se eu pensava que não queria agir, como eu agiria? Contrassenso? Durante a pandemia pensei em mudar meu estilo de vida, mas não sentia vontade nenhuma e desistia diante do primeiro empecilho. E eu li esse livro do Nuno seis anos antes do coronavírus assolar nossas rotinas. Quer dizer que nem sempre as lições que temos são absorvidas - ou levadas a sério - no momento certo. Vi que fui a prova disso.

Nuno Cobra trabalhou com diversas personalidades do esporte além de Ayrton Senna: Mika Hakkinen, Schumacher e muitos outros famosos aprenderam valiosas lições com este mestre da educação física. De alguma forma eu absorveria estas lições de uma vez por todas, nem que eu precisasse reler o livro duas, três vezes. Na verdade, o que eu precisava fazer era exatamente o que Nuno diz no livro: FAZER. E há uma importância enorme nesta lição. Nós usamos nossa falta de força de vontade como uma muleta, e assim passamos o resto de nossas vidas justificando nossos sonhos não realizados. Eu sempre quis correr, mas nunca conseguia. Eu dizia que minha força de vontade não era o suficiente para fazer certos sacrifícios. Porém, foi justamente a minha falta de vontade que foi uma mola propulsora para minha primeira corrida na pandemia. Calcei meu par de tênis, coloquei uma roupa confortável e saí de casa para correr, sem absolutamente nenhuma vontade de me mexer. Mas fui apostando nisso, na mudança que surgiria na minha mente através do meu corpo. Eu deveria insistir, afinal, precisava comprovar a teoria de Nuno.

Voltei para casa me sentindo muito bem. No outro dia, mais uma vez eu saí sem vontade nenhuma. E assim foi por alguns dias. Até o dia em que eu percebi que minha mente queria sentir aquele prazer do exercício novamente. Meu corpo e minha mente estavam em uníssono, pedindo por mais e mais movimento. Era a teoria se comprovando na prática, depois de muito suor e falta de ar (não da covid, mas da falta de condicionamento físico mesmo). Finalmente a falta de força de vontade não era mais uma desculpa. Finalmente nenhuma outra desculpa cabia. O que eu precisava era FAZER. Começar, dar o primeiro passo, apesar de não querer o tempo todo. Nossa mente sempre busca uma zona de conforto, e neste caso minha mente queria um cenário conhecido: a inércia. Hoje posso dizer que comecei a educar meu cérebro para o exercício através do corpo, exatamente como Nuno diz no seu livro: “Para começar a correr você tem que caminhar muito, para acostumar o coração”.

É confortante saber que podemos acostumar o nosso coração a coisas que nos fazem bem. Em meio a tantas notícias ruins, falta de perspectiva e preocupações com o futuro, o coração parece cada vez mais apertado e triste. E é muito interessante - e desafiador - pensar que precisamos ter paciência com nosso coração. Cada dia fazendo algo importante para si mesmo, mesmo sem nenhuma vontade, é um passo adiante na mudança que você busca em sua vida. Não importa quanto tempo leve, nós temos todas as condições para mudar qualquer coisa. A caminhada pode ser longa ou curta, mas deve ser constante. Como aprender um novo idioma, por exemplo. Ir às aulas de inglês mesmo sem vontade nenhuma pode ser o que você precisa para aprender de verdade. É o elemento que você deve usar a seu favor. Forçar o corpo a levantar do sofá, pegar o livro, sair de casa (ou conectar na aula online, hoje em dia), encontrar colegas e professores. Pode levar um tempo, mas a mudança que você começar apenas forçando o seu corpo a fazer algo diferente (por mais que sua mente diga para fazer o contrário) terá mais chances de se tornar permanente do que um rompante de vontade de mudar tudo, que vai ter fim logo ali na curva.

Eu não quero que esse texto seja um resumo do livro, até porque eu detesto spoiler. Mas se eu puder convencer você a mudar algo em sua vida, desejo que escreva esta citação do livro de Nuno Cobra e coloque em algum lugar visível: “O que distingue aquele que consegue daquele que não sai do lugar é o FAZER. Todo o segredo está nestas 5 letrinhas mágicas: F-A-Z-E-R. Este é o segredo do sucesso”.

Chegou a hora de calçar os tênis outra vez, ligar a música no celular e correr na rua. Está frio, meio chuvoso, tempo muito convidativo para ficar em casa. Minha mente reforça a preguiça, mas meu corpo sinaliza que preciso parar de pensar e simplesmente fazer. Vou fazer, e sei que vai ficar tudo bem no final.

*Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários.