SALA DA TEACHER DAIA - A dor (e a delícia) de voltar ao ensino presencial

Falar sobre como nos sentimos em relação ao retorno das aulas é necessário. Afinal, temos dentro de nós um misto de alegria e tristeza, ansiedade e incerteza, vontade de voltar e medo de se expor ao vírus

Por Daiana Souza*

O dia finalmente chegou. O tão esperado - e polemizado - retorno do ensino presencial já é uma realidade em meio à pandemia de COVID-19. Confesso que, como mãe e professora, minha ansiedade pela chegada deste dia era cada vez maior. Minha filha mal podia esperar para rever os amiguinhos, fazer as atividades com as professoras e brincar em um local diferente, que não fosse a sala de nossa casa.

Mas ao mesmo tempo, festejando esta reabertura, parei para verificar os números da pandemia em nosso País. Até a hora de escrever este texto, o número de mortos no Brasil já ultrapassava 407 mil. Um sentimento imenso de culpa bateu forte. Ao mesmo tempo que estava ansiosa pelo retorno das aulas presenciais, parecia que não era certo festejar este avanço, nem mesmo concordar com a reabertura - que certamente vai reaproximar as pessoas que ficaram por muito tempo em distanciamento social. E a pandemia ainda é um problema sério que continua causando estragos por todo o mundo, portanto, é certo reabrir as escolas?

A discussão em torno da reabertura das escolas parece não ter fim, e a polêmica só aumenta conforme observamos o vai e vem político e jurídico em torno do tema. Porém, falar sobre como nos sentimos em relação ao retorno das aulas é necessário. Afinal, temos dentro de nós um misto de alegria e tristeza, ansiedade e incerteza, vontade de voltar e medo de se expor ao vírus. Conversei com alguns pais para entender melhor essa “dualidade” dentro de nós (principalmente a minha própria contradição). De fato, muitos pais estão felizes porque seus filhos também estarão felizes voltando para a escola. As famílias estão cansadas, nervosas, estressadas. As crianças estão com saudade dos amiguinhos.

Os pais, com saudade do tempo para se dedicar ao trabalho com tranquilidade. As telas do celular e da televisão ganharam muito mais espaço dentro de casa, substituindo o contato com outras pessoas. As crianças mudaram seu comportamento, os pais também. Os motivos são os mais diversos, mas principalmente por causa da privação de interação social podemos observar tais mudanças de comportamento. Eu, como mãe, antes de dormir deitava minha cabeça no travesseiro sentindo muita saudade da escola e ao mesmo tempo morrendo de medo da Covid, envolvida em um UFC diário entre o meu emocional, que pede essa liberdade; e o racional, que olha os números da pandemia e se assusta. E parece que nós precisamos escolher um lado, como socialismo X capitalismo, ou Grêmio X Inter.


Para entender melhor essa contradição dentro de nós, recorri à reflexão sobre um conceito do taoísmo, mais conhecido por um símbolo preto e branco: o Yin Yang. Este conceito Taoísta diz que tudo em nossa vida é composto por duas forças opostas, mas unificadas em harmonia. Esta unificação dos opostos favorece o movimento e, por sua vez, a mudança. O Yin Yang também ajuda a explicar como mente e corpo estão unidos, como as doenças físicas podem ser manifestações dos sentimentos, e por aí vai. Falar de Yin Yang dá muito assunto, mas para um outro texto. O que eu achava ser apenas um símbolo chinês interessante - muito popular em tatuagens, por sinal - acabou me ajudando a refletir sobre a minha contradição em relação a voltar ou não ao ensino presencial. Acredito que precisamos desta contradição para continuarmos em movimento, para tomarmos uma decisão, para seguirmos - ou não - em frente.


Precisamos do desequilíbrio para ter o equilíbrio da vida. Eu preciso estar em dúvida para continuar a minha caminhada, pois certezas não existem. Não sabemos se os professores serão vacinados em breve, não sabemos se haverá uma cura para a Covid-19, ou se as medidas de prevenção continuarão a dar resultado; não sabemos como será a readaptação de nossas crianças na escola de portas reabertas e nem se as infecções vão aumentar ou diminuir depois desta reabertura. Diante de tantas incertezas, a única certeza que me confortou foi ver o sorriso de minha filha ao reencontrar os coleguinhas. Acenando um pouco de longe, mas acenando feliz da vida. Durante a caminhada rumo a uma nova vida “pós-durante-pandemia”, observar que pequenas alegrias estão surgindo novamente é um alento em meio a tanta tragédia. Arrumar a mochila para ir à escola é uma pequena grande alegria. E parafraseando Caetano (já vacinadíssimo contra a Covid, diga-se de passagem), cada um de nós sabe a dor e a delícia de ser pai/mãe em uma pandemia que nos estressa demais, mas, ao mesmo tempo, nos reaproxima como nunca. Dói e nos delicia, como nossas contradições, tão opostas e tão complementares.


*Publicitária e professora de inglês. Daiana Souza escreve quinzenalmente neste espaço. Tem alguma dúvida, comentário ou sugestão a respeito do tema? Utilize os espaços abaixo para comentários.