QUANDO, E COMO, FALAR DE SEXO COM OS FILHOS?

Especialista fala sobre esse desafio que ainda é grande entre pais e responsáveis, Fabíola Salustiano coloca o assunto de forma tranquila e bem natural

Criar e educar os filhos nunca esteve perto de ser uma tarefa fácil. Em qualquer época da convivência entre pais e filhos, vai haver um desafio, uma dúvida. E um desses maiores desafios é falar sobre a sexualidade com as crianças. A maioria dos pais chega a um ponto em que esses questionamentos são intensos e podem até tirar o sono. Mas, calma, especialistas, ao mesmo tempo em que confirmam todo esse cenário de receios, explicam que há, sim, uma forma de abordar a questão junto dos pequenos com tranquilidade e confiança. Conversamos com a psicóloga e sexóloga Fabíola Salustiano, especialista em Sexologia, e apresentada pela Sinopsys Editora, que esclarece com bastante descontração o tabu “quando falar de sexo com os filhos”:

Temas Preferidos - Existe uma "época certa" para começar a falar de sexo com os filhos?

Fabíola Salustiano - É a pergunta mais frequente... Existe, sim, uma época certa mas ela não pode ser determinada cronologicamente, essa época depende de vários fatores, entre eles a maturidade da criança, a capacidade que ela tem para absorver as informações e principalmente, o conteúdo que essa criança “quer” saber sobre sexo. O melhor a se fazer é responder especificamente o que perguntam, desde muito cedo (algumas perguntas surgem aos 2 anos) a ansiedade maior é do adulto, a criança está na época das descobertas e às vezes uma única resposta já a satisfaz, basta responder com naturalidade acreditando que se está promovendo saúde mental para vida do seu filho (a). A educação sexual transmitida de forma saudável promove o elo de confiança que seu filho (a) tanto precisará quando as dúvidas reais aparecem. Quando essa comunicação não ocorre a criança aprende a lidar com suas sensações à sua maneira, e isso é muito ruim pois pode ser porta de entrada para o abuso sexual ou para pensamentos de medo e vergonha ligados à sua sexualidade.

TP - Por onde essa conversa deve começar? O que as crianças precisam saber em primeiro lugar?

FS - Se tudo correr bem, você falará com seu filho sobre sexualidade já na primeira infância, sim, quando ela apertar a “pepeca” no seu joelho repetidamente ou quando ele sacudir o “pipi” até ele ficar ereto, mas infelizmente a maioria dos pais ignora ou pune esses comportamentos, quando o ideal é apresentar o que chamamos de “evento privado” à essa criança, exemplo: “Está bom isso que você está fazendo no joelho da mamãe? Então, é bom mesmo, mamãe e papai também acham, mas você já viu mamãe e papai fazendo isso não sala? Isso porque esse é um momento de cada um, um momento íntimo, um carinho que você faz em você e que é bom, mas como é só seu ele acontece quando você estiver sozinha com você mesma, e o mais importante é que só você pode fazer seu ‘momento’, mais ninguém, e caso isso aconteça conte pra mamãe ou alguém em quem confie pois não é certo, mesmo sendo criança ou adulto”. É só um exemplo, mas vejamos quantas coisas boas essa conversa deu a essa criança, primeiro, o que ela sente é válido, mamãe e papai sentem também, ou seja, o ambiente não a invalida, em segundo lugar, prevenção de abuso sexual, conhecendo o seu corpo ela saberá como agir quando alguém passar da regra do “momento dela”, e o mais importante, está aberta a linha de comunicação dessa família, mas é quando nada foi feito assim, infelizmente a maioria das vezes. As crianças precisam saber que o toque é um dos 5 sentidos e que “ok” ela se sentir bem quando se toca, essa é a primeira regra de educação sexual, e pode ser determinante para a sexualidade que ela terá na vida adulta.

TP - Há distinção entre meninos e meninas quando se trata de conteúdo, sobre o que falar?

FS - Não há maneiras de falar para meninos e meninas, mesmo porque, se a abordagem da masturbação (relato acima) foi natural, essa criança sabe que sua sexualidade é um conjunto de fatores entre eles estímulos sensoriais, mentais e biológicos. Mas se esse percurso natural não foi percorrido nos deparamos com algumas dificuldades acerca de meninos e meninas, meninos por exemplo ficam PHDs em sites pornôs e acreditam que aquele sexo é o ideal, ele constrói toda sua fantasia calçado em imagens de um sexo que muitas vezes só é bom para masturbação, muitos superam essa fase, mas alguns passam a vida recorrendo à esses repertórios para atingir o prazer, com uma abertura saudável com os pais ele pode ser informado de que o visual dos filmes é muito bom, mas que relações não são filmes e que usar sua própria imaginação seria muito mais rico para ele e para suas relações futuras.

as meninas têm o mundo nas costas, enquanto meninos se trancam nos banheiros por horas e os pais fazem piadas as meninas não falam de masturbação com suas amigas, nem seus pais e nem com elas mesmas, o números de mulheres adultas que nunca se tocaram chega a 75%, por outro lado em relações heterossexuais a mulher é a principal responsável pela contracepção, mais uma carga para uma adolescente que só deveria estar livre e informada acerca de seu direito ao prazer. A psicoeducação saudável decorre sobre a sexualidade de meninos e meninas pois independente da orientação sexual essa deve ser a largada para o conhecimento do corpo humano, mesmo porque há muito mais ainda que esse jovem vai descobrir.

TP -  Muitos pais temem a iniciação sexual de seus filhos, especialmente quando se trata de meninas. Como lidar com isso?

FS - Essa é uma questão preocupante mesmo, e não pela relação sexual mas porque muitos jovens procuram sexo por motivos que não tem nada a ver com sexualidade; daí a importância do auto-conhecimento, da masturbação e da liberdade de comunicação, só dar camisinha não vale, e como eu disse acima, ninguém nos ensinou fazer sexo, então temos dificuldades com nossos filhos, se não puderem achar um profissional da área existem livros especializados no tema, seus filhos se sentirão amados e não punidos. Muitos adolescentes têm suas primeiras relações por carência de contato físico, sexualidade pode lhe dar um pouco disso mas não preencherá sua carência de afeto, alguns jovens se sentem pertencentes ao grupo quando “não são mais virjões“, mas isso se dá porque houve falha, lá atrás naquela comunicação acerca de seu auto-conhecimento e da validação de suas emoções e sensações.

TP - Quando levar ao médico pela primeira vez para tratar a sexualidade?

FS - Essa é outra lástima, fruto de várias gerações que não falavam se sexo de forma clara, nossos órgãos sexuais são somente para fazer sexo? Não, nenhum de nossos genitais são exclusivos para o sexo, ou seja, quando começam a ocorrer as mudanças advindas da puberdade e essa criança adolesce já é hora dela ir a um médico especializado, não porque ela vai ter ou terá relações sexuais, mas porque ela cresceu, muitos adultos têm disfunções sexuais provenientes de falta de comunicação com rede de apoio na infância, por exemplo, alguns adultos  sentem dor e tem torções penianas e nem sabem que tem fimose. No caso das mulheres, sabiam que mulheres virgens podem ter endometriose? Ou seja, não existe médico que só é procurado para quando o filho (o) vai ter relações seriais.

TP - Uma mensagem a essa geração de pais amedrontados...

FS - Pais, se perdoem... Não aprendemos sobre sexo, a dificuldade que temos é porque nada nos foi dito e, quando foi, era pra amedrontar e dar avisos de todas as possibilidades de prevenção que existiam, e o prazer, alguém fala do prazer do sexo? Não. Costumo dizer que sexo é tão importante para a humanidade que sobreviveu aos humanos … Fazemos parte das muitas gerações que trancaram a sexualidade dentro de quatro paredes bem obscuras, mas somos também a geração que quer mudar isso, por isso repito, se perdoem e peçam ajuda, ajuda profissional, de livros, sites confiáveis, enfim, nossos filhos terão mais informações e quem sabe nossos netos já venham com a clareza de que “somos seres sexuais“ e que por mais incrível que possa ser, não nascemos de ovos, nascemos do sexo.