DICA DE LEITURA | Uma Tristeza Infinita

Antônio Xerxenesky nos apresenta um psiquiatra atormentado pelas questões de saúde mental, éticas e de um mundo pós-guerra diante dos fantasmas do fascismo

Por Aline Pires*


Que ligação uma narrativa que se passa no pós-guerra, na Europa, na década de 1950, pode ter com o mundo atual? Este é o desafio de Uma Tristeza Infinita, livro de Antônio Xerxenersky, publicado no ano passado pela editora Companhia das Letras.


Fui atraída pelo título, que achei intrigante, e quando procurei saber mais do que se tratava, coloquei imediatamente na minha lista. O tema central do livro é a saúde mental.


O protagonista é o psiquiatra francês Nicolas que se muda com a esposa, a jornalista Anna, para um vilarejo na Suíça, a fim de atender especialmente pacientes com traumas pós-guerra e do fascismo. Ele é um forte defensor do tratamento pela fala, a psicanálise e, em um primeiro momento, se coloca contra o uso de medicamentos e até de alguns métodos como o eletrochoque.


Ao longo da história, conhecemos personagens/pacientes dos mais diferentes perfis, mas que carregam o que no livro é chamado de melancolia, condição que se manifesta, também, de maneiras distintas. A consciência chama, a culpa toma conta e há casos, aparentemente, sem explicação imediata para a tristeza.


Em um determinado momento, temos o próprio médico a questionar não somente a eficácia do método no qual acredita como também na sua própria competência. Enquanto sua esposa se destaca como jornalista no meio científico o que rende alguns embates entre o casal, Nicolas começa a se sentir ameaçado pela possibilidade de ele mesmo estar desenvolvendo a melancolia.


Marcado por uma solidão aguda, a condição de Nicolas dá espaço a antigas lembranças, sentimentos e emoções vêm à tona, especialmente as recordações de família e a influência paterna em sua condição. Soma-se a isso o fato de estar perto de pessoas, pacientes, que teriam participado de atos comandados por nazistas e com isso contribuído para a morte de muitas outras. De que lado ele estaria, então? Atormentado por inúmeros questionamentos, o médico parece entrar em uma espiral de tormentos.


Época difícil


Em uma época marcada por questões políticas, de ética, de renúncias e de escolhas, os personagens de Uma Tristeza Infinita lutam também com consequências e aí nós podemos traçar a semelhança com o hoje. O que seria mais atual do que questionar as relações, o sentido da vida e a missão de cada um? Vale a leitura por tudo isso e também para entender a importância da atenção que é preciso dar à saúde mental, ao debate e à ciência. Recomendo.


Agradecemos à editora Companhia das Letras que gentilmente nos enviou um exemplar de Uma Tristeza Infinita


*Jornalista - Diretora de Conteúdo do Portal Temas Preferidos