DICA DE LEITURA | Diorama

Inspirada em um crime real, a escritora Carol Bensimon constrói uma trama de tirar o fôlego e destaca dramas em relações familiares

Por Aline de Melo Pires*


Transição para o começo da adolescência, final dos anos 80. A partir de junho de 1988 eu passei a acompanhar a “primeira notícia do mundo adulto”. Estava em todas as rádios, jornais, rodas de conversa e um dos mais famosos, e cheios de mistérios, casos de polícia do Rio Grande do Sul. O Caso Daudt. Um deputado acusado de assassinar um colega de bancada e uma rede de grandes segredos descoberta pouco a pouco e exibidas pela imprensa.


A história renderia bem mais que as linhas do parágrafo acima, mas quero aqui chamar a atenção para outra narrativa. Inspirada neste acontecimento, a escritora gaúcha Carol Bensimon escreveu Diorama, lançado pela Companhia das Letras, no ano passado.


Quando soube desta ligação com o Caso Daudt, imediatamente quis conferir, embora sabendo que não se trata de um livro-reportagem, pelo contrário, Carol não relata o Caso Daudt, mas criou uma trama instigante, capaz de prender o leitor a cada página e carrega uma força na exploração das relações familiares que mexem com a gente.


A protagonista de Diorama é Cecília. Ela é uma criança quando o pai é acusado do crime e cresce com o estigma dos comentários e dedos apontados para ela e para sua família, tendo, inclusive de ter que sair da escola por um tempo, ao lado dos irmãos.

O livro tem um recurso do qual gosto muito, um “vai e vem” entre passado e presente que nos ajuda a entender a vida e as escolhas de Cecília. Quando jovem e dona de seu destino, ela decide sair do Brasil, vai morar nos Estados Unidos onde vira taxidermista (quem empalha animais), daí o título do livro.


Com a acusação sobre o pai, a vida da família de Cecília - até então uma família tradicional e bem vista - vira um inferno. Tudo é revirado, tudo é questionado. Assim que pode, ela sai deste cenário e se estabelece bem longe, onde casa e consolida sua profissão, como forma de se distanciar das emoções negativas, acreditando na distância física como solução.


No presente, temos uma Cecília que, por um acontecimento grave, precisa se reconectar com esta família na cidade onde nasceu e cresceu. A tensão fica entre saber se ela vai atender a este chamado ou não e confrontar fantasmas que julgava extintos, mortos.


Diorama também aborda questões de sexualidade - uma das tônicas do caso que inspirou o livro - e dá pinceladas importantes na maternidade, aspectos que ajudam a construir a teia tão bem criada por Carol Bensimon.


Faço um destaque especial aqui para o personagem Vinícius, um dos irmãos de Cecília, esculpido pela autora com uma sensibilidade ímpar e que, depois da protagonista, tem meu coração.


*Jornalista e diretora de Conteúdo do Portal Temas Preferidos

**Agradecemos à editora Companhia das Letras que gentilmente nos enviou um exemplar de Diorama