DICA DE LEITURA | Após o Anoitecer: uma madrugada em Tóquio

Livro do japonês Haruki Murakami acompanha personagens com perfis diversos na metrópole que não dorme em um ritmo que não deixa o leitor adormecer

Por Aline Pires*


Acabei de reler Após o Anoitecer**, um livrinho ótimo do Haruki Murakami, e eu digo “livrinho” com muito carinho, ele não é dos mais extensos, se compararmos com outras obras do japonês, e além disso eu adoro essa história. Então, é um livrinho. Mas, pode ser um livraço quando a gente começa a pensar no quanto as histórias de vida de pessoas ditas normais, daquelas que se pode encontrar numa lanchonete, num bar, na recepção de um motel, podem nos trazer insights e identificação.


Para começar, adoro a personagem Mari Asai, que resolve passar as madrugadas em companhia de um livro, saboreando seu café, olhando o (pouco) movimento pelas vidraças de um café no centro de Tóquio. E é exatamente por uma madrugada apenas que Após o Anoitecer acontece. Personagens que cruzam a noite nos mais variados pontos da cidade e que de uma maneira ou de outra também têm suas vidas cruzadas em algum momento.


A jovem Mari Asai foge da rotina de casa, se afasta da realidade familiar que volta sua atenção totalmente à sua irmã mais velha, a bela modelo Eri Asai que já dorme por dois meses seguidos. Não se trata de uma doença ou de qualquer tipo de problema de saúde. Ela simplesmente decide que vai dormir por tempo indeterminado, cansada de sabe-se lá o que… Quem nunca teve esse desejo?

Acabam passando pelo caminho de Mari um jovem músico, encontro que rende diálogos interessantíssimos ao longo do livro, uma prostituta espancada por um cliente que recebe a ajuda de Mari e também temos uma figura bem esquisita, Shirakawa, especialista em computação, que prefere trabalhar à noite, enquanto colegas dormem.


O relato de Murakami, de um modo geral, neste livro, é bem realista, afinal de contas traduz a rotina de pessoas comuns durante uma madrugada em uma grande cidade. E com isso vêm à tona muitas questões existenciais. Mas, quando falamos de Murakami, tudo pode acontecer e ele sempre se vale do realismo mágico, nem que seja uma pitada, como é o caso neste Após o Anoitecer. A “viagem” fica por conta da história em torno da irmã de Mari, que em sono profundo é observada pelo narrador que também situa o leitor sobre o cenário, o quarto de Eri e tudo o que acontece ali.


Entendo esse recurso como uma forma escolhida pelo escritor para tirar o leitor da zona de conforto, mexendo não somente com a imaginação como com os reflexos de quem está lendo. Murakami é assim.

Há quem compare o livro, e acho até bem pertinente, com o filme Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, de 2003, que tem Scarlett Johanson e Bill Murray como protagonistas. Também está entre as minhas obras favoritas e da mesma forma se passa em Tóquio, na madrugada, em que os dois personagens divagam sobre suas condições e sentimentos. Vale a releitura de Após o Anoitecer, assim como vale, sempre, reassistir Encontros e Desencontros. Dicas para o final de semana!



*Jornalista, diretora de Conteúdo do Portal Temas Preferidos

** Agradecemos à editora Alfaguara, que gentilmente nos enviou um exemplar de Após o Anoitecer. Para mais informações sobre esta e outras obras, acesse aqui