Por Aline Mara Gumz Eberspacher*
Nas últimas semanas, as chamadas babies reborn, ou bebês reborn, bonecas hiper-realistas que imitam bebês recém-nascidos, voltaram a ganhar destaque na mídia e nas redes sociais. Embora o fenômeno tenha surgido nos Estados Unidos há mais de 30 anos, sua popularidade no Brasil cresceu consideravelmente a partir dos anos 2000, com um impulso ainda maior durante a pandemia, graças à intensificação do uso das redes sociais e das plataformas de comércio eletrônico.
Hoje, tanto crianças quanto adultos de diversas idades aderem a esse modismo, envolvendo-se em rotinas detalhadas de cuidado: levam suas bonecas para passear em carrinhos, dão banhos, trocam fraldas e simulam um cotidiano materno ou paterno quase real. Em alguns casos, o “nascimento” da boneca é encenado com o rompimento de uma “cápsula”, em uma representação simbólica da bolsa amniótica, tornando a experiência ainda mais imersiva.
Esse mercado já movimenta cerca de R$ 40 mil por mês em algumas maternidades especializadas, como as de Minas Gerais. A princípio, pode parecer apenas mais uma tendência de consumo. No entanto, a adesão crescente a esse tipo de brinquedo, especialmente por adultos, nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o estado emocional da sociedade contemporânea.
Vivemos em tempos marcados pelo individualismo, pela solidão e pela dificuldade de construir vínculos reais. Nesse contexto, os babies reborn funcionam como válvulas de escape para um vazio emocional crescente. Ao simular a maternidade ou paternidade sem os desafios e a entrega exigidos por um relacionamento humano autêntico, essas bonecas oferecem uma espécie de consolo emocional superficial, mas revelador. Diferente de relações reais, que exigem tempo, paciência, tolerância e empatia, o cuidado com um boneco não demanda reciprocidade. É um relacionamento unidirecional, controlável, que não frustra nem exige.
A popularização das bonecas reborn revela também uma busca por pertencimento. Grupos nas redes sociais compartilham experiências, angústias e alegrias relacionadas aos cuidados com os reborns, criando laços digitais que tentam suprir a carência de conexões afetivas na vida real. O problema, porém, não está no objeto em si, mas naquilo que ele substitui. Estamos usando bonecos para preencher lacunas que deveriam ser ocupadas por relações humanas autênticas.
Mais do que julgar quem adere à tendência, é preciso refletir sobre o que ela simboliza. O cuidado com um reborn pode parecer inofensivo, mas torna-se um alerta quando revela a recusa (ou a impossibilidade) de investir em laços verdadeiros. Em vez de procurar vínculos seguros em relações reais, muitos buscam alívio naquilo que não oferece risco, mas tampouco proporciona plenitude.
Portanto, em vez de alimentar substituições simbólicas, talvez seja mais saudável, ainda que mais desafiador, investir em relações verdadeiras. Atividades voluntárias, o convívio com familiares e amigos, a maternidade ou paternidade reais, ou qualquer forma de entrega afetiva autêntica podem oferecer um sentimento de pertencimento muito mais profundo, capaz de gerar realização pessoal e sentido à existência.
*Aline Mara Gumz Eberspacher é doutora em Sociologia pela Université Paul Valéry, na França, e coordenadora de pós-graduação do Centro Universitário Internacional Uninter.