A CAVERNA EM TEMPOS DE PANDEMIA

E agora, após sete meses, como podemos lidar com o fato de termos nos tornado prisioneiros, inclusive de nossos pensamentos e rotina?

Por Valderez Figueira Timmen*

Platão, em 380 - 370 A..c., escreve a Alegoria da Caverna, para falar do processo de conhecimento em oposição ao da ignorância. Neste diálogo, os homens acorrentados em uma caverna passam a ver o mundo através das sombras e acreditam que aquilo que veem é a verdade. Eles estão prisioneiros mas não percebem, em dado momento um se liberta e sai para explorar o que existe lá fora e Platão se questiona, o que irá ocorrer quando ele retornar e contar para os demais? Irão aceitar ou tratá-lo como louco?

Em 2020, vivendo numa sociedade pautada no Narcisismo, onde tudo podemos e somos capazes, o novo coronavírus se apresenta denunciando nossa fragilidade e desamparo. Aprisionados em nossos lares, impactados e assustados com as mudanças impostas, fomos nos adaptando e, aos poucos, transformando esta situação em algo agradável.

Como esta vivência é traumática e sem representação ou significado, nosso psiquismo “trabalha” tentando, de variadas formas dar sentido, num processo que gera cansaço e exaustão, já que é totalmente novo. As experiências foram variadas, para alguns a crise abriu espaço para o novo, para outros intensificou angústias e ansiedades, todos buscaram a estabilidade narcísica, numa tentativa de retomar a estabilidade que havia anteriormente.

Assim como os prisioneiros de Platão, ficamos no interior de nossas casas, nos adaptando, com encontros virtuais, lives, aulas, cursos online.. “olhando a vida através das sombras”. E agora? Como será o retorno? O que encontraremos? Como seremos?

Como nosso Narcisismo foi atacado e o que tínhamos como verdade foi colocado em questão, acabamos por estabelecer uma “nova normalidade” e quem ousar sair poderá ser tratado como louco? Este momento irá nos colocar novamente frente à vivências primitivas de desamparo e na tentativa de minimizar sentimentos lançaremos mão de defesas, desde as mais arcaicas como a indiscriminação (fusão com a mãe), megalomania, onipotência, onisciência, mas também a criatividade e sabedoria poderão oferecer melhores possibilidades.

Para uma saída da “casa/caverna” mais satisfatória, requer que reflitamos sobre nossas fragilidades, a capacidade de tolerar as incertezas e um pouco de ilusão para colorir a realidade. A experiência do outro poderá enriquecer e ampliar a nossa.

Se, para Platão, o sujeito que traz a  verdade pode ser visto como louco, a verdade deste momento dará amparo às vulnerabilidades e maiores possibilidades de lidar com o novo.
 

*Psicóloga Clínica - Docente e Supervisora do Instituto de Psicologia de Novo Hamburgo (IPSI)