MEDO DE DIRIGIR: SUPERAÇÃO PASSA PELA TERAPIA

Psicólogos falam sobre o tratamento e o caminho para encontrar autonomia e independência no trânsito

Autonomia e independência são conquistas importantes para quem consegue, todos os dias, entrar em seu carro e dirigir até seu trabalho, até a escola dos filhos, ou mesmo para fazer compras ou passear. Acontece que nem sempre é uma atitude simples, nem todo mundo consegue ter a iniciativa de entrar em um automóvel, dar a partida e seguir seu destino. O medo de dirigir é uma realidade que atinge  2 milhões de brasileiros, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), publicado em 2018. Desse total, 80% são mulheres.

A boa notícia é que existe tratamento e essa limitação, com ajuda da terapia, pode, aos poucos, se tornar coisa do passado. Conversamos com especialistas que desenvolveram uma ferramenta importante para os profissionais da saúde mental que lidam com pacientes que têm medo de dirigir. Os psicólogos Marina Marcon e Willian Fiuza criaram o Baralho do Medo de Dirigir, disponibilizado pela Sinopsys Editora e têm proporcionado uma nova possibilidade de tratamento. Por isso, uma ferramenta como esse baralho é essencial para mudar esse cenário. Inclusive, esse é o primeiro baralho do país voltado para esse tipo de fobia.

Esta é uma ferramenta que funciona como um manual técnico, que orienta o profissional de psicologia sobre o perfil da pessoa com medo de dirigir e diferentes possibilidades de intervenção, através do modelo cognitivo-comportamental. Além disso, o material auxilia o próprio paciente a entrar em contato com suas questões particulares relacionadas ao medo de dirigir, de forma lúdica.

Conversamos com os dois profissionais para apresentar alternativas a quem hoje limita sua vida por não conseguir enfrentar o trânsito. Mas, de onde vem essa fobia? Segundo eles, não há uma relação “causa e efeito”, no entanto, percebem algumas características comuns como autocobrança excessiva, intolerância aos próprios erros, receio do julgamento de outras pessoas, traumas, experiências negativas prévias, sentimento de vulnerabilidade, medo de acidentes, entre outros.

O percentual atribuído às mulheres no que se refere ao medo de dirigir é curioso, 80%. Isso, de acordo com os psicólogos, vem, primeiramente, de uma questão cultural que, de forma errada, se entender que direção é “coisa de homem”.

A partir disso, as mulheres acabam sofrendo com supostas avaliações dos outros em relação à forma como dirige, despertando ansiedade em relação ao seu próprio desempenho. “Não é incomum ouvirmos expressões preconceituosas e machistas em relação à mulheres no volante, infelizmente. Além disso, os homens são muito mais estimulados a dirigir desde crianças, o que favorece o contato e o desenvolvimento desta atividade”, diz Marina, ao complementar que não se pode deixar de refletir sobre a questão de as mulheres buscarem mais ajuda profissional para superar suas dificuldades do que os homens. Sendo assim, talvez o número de mulheres com medo de dirigir seja maior pois os homens não o expressam e/ou buscam ajuda para lidar com esta questão.

MEDO É DIFERENTE DE CAPACIDADE

As pessoas que têm medo de dirigir sofrem pois desejam conduzir um veículo, mas não conseguem lidar com emoções extremamente negativas e desconfortáveis que emergem ao estarem frente ao volante. A consequência, na maioria das vezes, é a desistência de ser motorista, o que traz limitações a nível profissional, social, familiar, etc. “Além disso, quando uma pessoa quer algo e sente-se incapaz de conseguir - o que não é uma realidade, pois medo é uma coisa e capacidade é outra - acaba tendo influências diretas na sua autoestima e na sua autonomia interferindo, também, na sensação de liberdade”, completa Fiuza.  

Assim, diante de todo esse contexto, a terapia é um dos caminhos mais indicados.  O tempo do tratamento varia conforme cada pessoa. Isso não significa que quem demora mais para superar terá mais dificuldades ou será incapaz de dirigir.

Respeitar o tempo de cada um, entendendo suas particularidades, é fundamental no trabalho com pessoas que possuem medo de dirigir. “De forma sintética, o atendimento com foco na superação do medo de dirigir permeia alguns pontos principais: o entendimento do medo, ou seja, como ele se apresenta, o que o desperta; o desenvolvimento de estratégias para lidar com as reações físicas provindas do medo, como palpitações, suor, tremores, etc; a aprendizagem de estratégias de exposição gradual e planejada ao estímulo que gera medo (dirigir)”, diz Marina.

Todos esses pontos, destaca Fiuza, devem ser cuidadosamente adaptados de acordo com as características pessoais do paciente.

Ao olhar por um outro viés, os dois psicólogos fazem uma observação interessante: quem dirige precisa ter empatia com quem enfrenta problemas desse tipo. “Queremos frisar a importância de os motoristas em geral serem compreensivos com quem não tem tanta prática, respeitosos com motoristas iniciantes, além de evitarem comentários que façam com que o medo de dirigir seja encarado como algo errado, ou mesmo comentários que diminuam a motivação e o progresso de pessoas que tem medo de dirigir”, afirma Fiuza.